
(foto: Ana Gilbert)
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A forma como olhamos o mundo é contingente, isto é, moldada pela cultura e pelo momento histórico em que vivemos. Constantemente, lançamos mão de práticas de olhar (inclusive, quando desviamos o olhar) para dar sentido ao mundo que nos rodeia. Práticas de olhar não são objetivamente neutras, mas constituem práticas interpretativas críticas que se conectam a um determinado momento histórico-cultural que dita um modo de olhar. Tais práticas constituem também práticas sociais, uma vez que elas participam, junto com percepções dos outros sentidos, do estabelecimento e da negociação das relações entre as pessoas. Não se trata apenas do que vemos, mas de como vemos e de como percebemos aquilo que é veiculado em visualidades subjacentes.
Contudo, falar em experiências visuais não significa dizer que as imagens são, ou deveriam ser, separadas de outras experiências e representações, tais como a escrita e os discursos. Imagem e linguagem constituem formas de descrever, significar e entender o mundo. Em sua materialidade, o mundo não se apresenta a nós meramente refletido nas representações que são feitas dele: nós construímos múltiplas camadas de significados explícitos e implícitos (denotativos e conotativos, na acepção de Roland Barthes) que atribuímos ao mundo por meio das representações que fazemos das coisas (objetos, lugares ou entidades). Tais representações obedecem a regras e convenções que são ditadas por determinada cultura, não configurando, portanto, reflexos não-mediados da realidade. Em muitos casos, as regras são ‘esquecidas’ e aquilo que resulta de uma construção, passa a ser visto como ‘óbvio’ ou ‘natural’.
Formas de olhar o mundo estão presentes também na leitura de textos (verbais e não-verbais), ainda que haja diferenças entre a apreensão de imagens e palavras. As imagens evocam palavras, bem como as palavras suscitam imagens que vão ser lidas de acordo com as práticas de olhar vigentes. O processo de decifrar uma imagem envolve, além da própria imagem e dos significados dominantes a ela atribuídos, elementos, tais como, memórias pessoais, conhecimento e enquadramento cultural. Do mesmo modo, ao lermos um texto escrito, lançamos mão de experiências com textos anteriores para contextualizarmos o atual. Textos literários não se restringem às intenções do autor, mas são produzidos no ato da leitura, de acordo com perspectivas situacionadas dos leitores.
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“Entender é um modo de olhar. Porque entender, aliás, é uma atitude.” (Clarice Lispector, A maçã no escuro).
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Barthes R. Image – music – text. London: Fontana Press; 1977.
Sturken M, Cartwright L. Practices of looking: an introduction to visual culture. New York/Oxford: Oxford University Press; 2009.