Embodied narratives

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LIVRO: Art and Activism in the Age of Systemic Crisis: Aesthetic Resilience

Em 2018, recebi um convite da pesquisadora Marijke de Valck, da Utrecht University, para participar de uma publicação acadêmica sobre arte, ativismo e estética de resiliência em tempos de crise sistêmica, com um texto sobre deficiência.
Assim nasceu o projeto fotográfico Geografias Corporais, realizado com a Pulsar Companhia de Dança e o grupo de pesquisa sobre movimento Te Encontro Lá no Cacilda.
O projeto, desafiador e fascinante, desenvolveu-se em dois caminhos complementares entre si: um ensaio fotográfico-literário, com textos inéditos de Paulo Kellerman, publicado (apenas parte do material) no periódico brasileiro Interface – Comunicação, Saúde e Educação; e um ensaio teórico-fotográfico, o capítulo 14 desta publicação: Embodied narratives: dance, corporeality, and creative processes.

O livro Art and Activism in the Age of Systemic Crisis: Aesthetic Resilience já está disponível para venda, nos formatos Kindle e hardcover aqui:

“This book will be of interest to scholars in contemporary art, history of art, film and literary studies, protest movements, and social movements.”

Sobre o capítulo:
“The focus of this chapter is to discuss an artistic experience with disability in the realm of dance. To do so, I made a photo essay with Pulsar, a Brazilian dance company, composed of dancers with normative and non-normative bodies, whose artistic proposal is to create a dialogue between spectators and different corporealities, and a research group on movement based on dance as an extension of Pulsar, named Te encontro lá no Cacilda, composed of participants with different disabilities. This chapter and its photo collages are based on the collaborative exhibition “Corporeal Geographies” which involves photography, literature and dance. Using the images as a material basis for the discussion, I explored some ideas concerning the embodied narratives performed by the dancers and captured by my camera, and the role of art in considering disability as part of human variability and as a form of resistance to understand disability within a normality frame. The embodied narratives point to creative processes that evoke an aesthetic resilience to politically reaffirm difference and multiplicity in contemporary artistic scenario.”

Geografias corporais | Ensaio

Academia e arte. Brasil e Portugal. Dança, fotografia e literatura. Diálogos em torno de múltiplas corporeidades.

Projeto com o grupo de pesquisa sobre movimento Te encontro lá no Cacilda / Pulsar Cia. de Dança | Teatro Cacilda Becker, Rio de Janeiro, Brasil.

Geografias corporais: dança, corpo e deficiência | Ana Gilbert e Paulo Kellerman

Revista Interface – Comunicação, Saúde, Educação | Seção Criação

Biblioteca SciELO Brasil e SciELO Saúde Pública

Resumo:

O projeto Geografias Corporais resulta de uma parceria entre dança, fotografia e literatura, entre artistas do Brasil e de Portugal, entre academia e arte. São narrativas imagéticas e literárias em torno do diálogo entre múltiplas corporeidades, com o intuito de desestabilizar a ideia de corpo normal como universal. Surge do interesse em analisar como corpos normativos e não normativos experienciam a dança como forma de habitar suas geografias corporais e de definir seus contornos físicos, psíquicos e discursivos na relação entre movimento e imobilidade. O trabalho foi realizado com participantes do grupo Te Encontro Lá no Cacilda, em 2018, configurando uma pesquisa artística. As narrativas de corporeidade produzidas ao dançar foram captadas e traduzidas em fotografias, configurando textos visuais que, posteriormente, somados a conversas entre fotógrafa e escritor, serviram de base para a criação de textos ficcionais.

(Foto: Ana Gilbert)

“Entro na sala e sorrio. Digo: Oi. Depois digo: Tudo bem? E continuo a sorrir.
(Penso: Sorrir será a melhor forma de espera, de adiamento, de suspensão?)
Olha-me e sorri. Levanta-se, aproxima-se lentamente. Depois, abraça-me.
Sinto estranheza. Não é fácil receber o abraço de uma pessoa desconhecida. Não é fácil abraçar uma pessoa desconhecida. Mas correspondo.
Foi assim que nos conhecemos. Apenas mais tarde percebi que abraçar é uma forma de comunicar; como se o abraço fosse voz, e cada abraço tivesse uma tonalidade específica. Tal como cada palavra pode ser dita com um timbre diferente.
Não o ouvi falar. Mas conheço a sua voz.”

(Paulo Kellerman)

Geografias Corporais

Fotos: Ana Gilbert | Textos: Paulo Kellerman

Projeto em andamento com o grupo de pesquisa sobre movimento Te encontro lá no Cacilda / Pulsar Cia. de Dança | Teatro Cacilda Becker, Rio de Janeiro, Brasil.

 

Saber-se no corpo, ser o corpo, ser no corpo… o próprio e o do outro. Corpos humanos como materialidades diversas e criativas que se atualizam no dançar… corpos dançantes que interagem e se afetam mutuamente.

“Estende-me a mão. E diz: Não a agarres. Diz: Sente-a, apenas.
Aproximo a minha mão. As duas palmas tocam-se, e assim ficam: juntas.
Diz: Agarrar significa prender, não achas? Para sentir o outro basta tocar-lhe. Talvez tocar seja uma forma de agarrar com liberdade.
E sorri. Também sorrio. Enquanto as nossas mãos se tocam. Livres e sorridentes.”

…..

“Escuto o suave sussurro da respiração do meu corpo. Mas será que a minha alma também está a respirar? Como perceber se está viva, se não ouço nem sinto a sua respiração? Se não a sinto pulsar, se não sinto o bater do seu coração? Como saber o que faz respirar a alma?”

Apresentação

Capa facebook

Seres humanos são feitos de palavras, nos diz o escritor José Saramago; são narrativas construídas no viver diário que no decorrer de sua finita existência recebem e transmitem um infinito legado de palavras. Ricardo Reis, heterônimo do escritor Fernando Pessoa, em uma de suas odes, presenteia-nos com uma frase que, de forma concisa e poética, resume nossa condição: “somos contos contando contos, nada” . Saramago, posteriormente, faz-lhe um pequeno acréscimo que, se por um lado acentua ainda mais a pequenez e a transitoriedade do ser humano às quais se refere Reis, por outro, aponta para aquilo que se revela como grandiosidade e permanência: “somos contos de contos contando contos, nada”. Como “contos ambulantes, contos feitos de contos”, continua Saramago, “vamos pelo mundo contando o conto que somos e os contos que aprendemos”. Este movimento traz implícita a presença (real ou virtual) de um ‘outro’ ao qual nos dirigimos ao narrar e que, ao escutar, participa da constituição do nosso ‘eu’. Dito de outra forma, narrar para o outro é também um narrar para nós mesmos, delineando contornos e imagens do que somos.

Se é certo que somos feitos de palavras, também somos feitos de imagens. Em um sentido mais amplo, somos feitos de imagens que constituem a própria psique, os fundamentos que possibilitam os movimentos da psicodinâmica. E em um sentido particular, somos feitos das  imagens de caráter representacional e das imagens que resultam da tessitura das palavras (escritas ou faladas), cujos elementos sensoriais, emocionais e imaginativos estão presentes nos gestos, nos discursos e na memória e vão além de uma mera descrição literal de algo.

A apreensão, o entendimento e a interpretação do significado de uma imagem só é possível se levarmos em consideração tanto um repertório interno individual, do qual essa e outras imagens são apenas uma ponta aparente, quanto um repertório externo, coletivo, circunstancial, que se refere não a este ou àquele indivíduo específico, mas ao repertório indireto de imagens que é constituído e atualizado culturalmente. Mulheres e homens que participam de uma mesma sociedade compartilham representações comuns, as quais servem para marcar o seu pertencimento a ela. Nesse processo, são reproduzidos, muitas vezes de forma subliminar, valores, crenças, estereótipos e padrões de normalidade, corpo e beleza que permeiam um determinado contexto sócio-político-religioso-cultural e que orientam as formas de olhar o mundo e a produção de subjetividades.

A literatura é uma produção humana e, como tal, é expressão desses olhares possíveis e das relações que estabelecemos com o mundo que nos rodeia. Os textos literários são capazes de despertar imagens; as palavras reunidas adquirem forma e permitem que tais textos possam ser ‘vistos’, seja de um modo mais estruturado, como cenas, seja menos estruturado, como cores, traços, formas e humores. Com uma linguagem essencialmente conotativa, eles têm a capacidade de provocar em nós uma infinidade de sensações e emoções para além de uma apreciação puramente intelectual; desta forma, são capazes de desestabilizar certezas e ativar outras formas de compreensão.

Este trabalho, que tem como foco contos e poemas contemporâneos, alimenta-se de fontes diversas, como as tradições das histórias sufis e dos contos de fadas. Alinha-se com formas de compreensão das imagens oriundas da Psicologia Analítica de Carl G. Jung e da Psicologia Arquetípica de James Hillman que valorizam não apenas o que é visto, mas o modo como é visto. Pretende acessar o inesgotável ‘baú das palavras’ que nutre a nossa existência; e, sobretudo, leva em consideração o espaço/tempo da cultura em que vivemos, em seus aspectos relacionais dinâmicos e plurais, instigando o exercício constante de reflexão sobre o modo como percebemos o mundo e a nós mesmos por meio de lentes e filtros específicos e contingentes.

Em edições passadas, Conto & Poesia já abordou os seguintes temas: gênero, relação profissional de saúde-paciente, morte, entre outros. Atualmente, aborda-se o tema  ‘diferença e diversidade’ e o imbricamento eu-outro, resumido na pergunta ‘quem é o outro?’.